Disclaimer: Este texto foi originalmente escrito por mim durante o meu período de trabalho na TauGC Bioinformatics. Embora eu seja o autor do texto, os direitos de propriedade pertencem à TauGC Bioinformatics e as imagens não foram feitas por mim. Para acessar a publicação original, clique aqui

O paradigma sobre o quê é bioinformática e o que esperar dessa área multidisciplinar

Autor | Pedro Medeiros


Não há um só dia pra nós do meio de Sci/Tech que não sejamos apresentados a um termo novo e sem significado bem definido, mas que rapidamente é integrado ao dialeto interno da área como um meme (no sentido que Dawkins deu ao termo em “O gene Egoísta”).

Esse efeito é agravado pelo avanço científico ser encabeçado não apenas pela academia ou institutos de pesquisa, mas também por entes privados já focados nas aplicações comerciais desde o desenvolvimento científico de base.

Esse processo de mercantilização precoce faz com que haja uma preocupação em termos de marketing no processo científico mais do que no estabelecimento de conceitos sólidos e bem definidos, resultando muitas vezes em discussões que se arrastam, literalmente, por décadas acerca da definição de um termo por parte da comunidade.

Um exemplo em bastante evidência na área de biotec se dá em torno da biologia sintética. Já fazem mais de dez anos do artigo “What is in a name”¹, na Nature, no qual são reunidos diversos profissionais para opinar acerca da visão deles do que significa “Synthetic Biology” e, como podemos imaginar, já fazem mais de dez anos também que essa discussão não acabou, podendo-se encontrar uma série de outros artigos que prosseguem nessa toada. Situação análoga ocorre com “Bioinformática”.

Não raro surgem discussões acerca de quem seria ou não o Bioinformata, se é algo exclusivo a desenvolvedores de ferramentas ou também a usuários, se é uma área do conhecimento em si mesma ou apenas uma nova ferramenta.

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Longe de adentrar na seara filosófica, as maiores preocupações para quem atua na área são os reflexos dessa situação no aprendizado e na relação do bioinformata com os demais colegas no mercado de trabalho (temática que explorei nesse podcast onde, de maneira não surpreendente, a discussão surgiu de maneira espontânea, haha.

Que pontos essenciais alguém que ainda não é da área poderia se atentar com segurança para compreendê-la? O quê uma pessoa que busca um profissional de bioinformática pode esperar?

Baseado nessas duas perguntas essenciais, sintetizo em 3 tópicos, com links para os textos de referência, aspectos que considero bastante sólidos para nos apoiarmos:

1 - Toda Biologia é Computacional³

A tônica atual é a inclusão de software em praticamente todas atividades produtivas, em biociências não é diferente. Neste texto o autor demonstra como estratégias computacionais ajudam a tornar a área menos enciclopédica, mais testável, reprodutível e, portanto, mais científica.

Se a biologia dos séculos 19 e 20 percorreu grandes distâncias ao definir a origem biótica dos seres vivos, os processos evolutivos e os ácidos nucléicos como mídia informacional dos sistemas biológicos, a biologia do século 21 se debruça, entre outras coisas, a esmiuçar a funcionalidade da informação contida nessa mídia, aproximar a ciência da engenharia e, nesse sentido, tecnologias informacionais são ferramentas que qualquer biólogo utilizará.

2 - A qualidade do seu software está ligada à dos seus resultados⁴

Se pipetas bem aferidas e reagentes padronizados são essenciais para um trabalho de bancada, um software bem escrito, reprodutível e bem mantido é também para o trabalho computacional.

Isso é um desafio particularmente importante para softwares científicos que, muitas vezes, são criados por estudantes de pós-graduação que possuem inúmeras outras preocupações e pressões do que entregar um bom software à comunidade.

Algumas revistas científicas vêm colocando parâmetros de avaliação da qualidade dos softwares utilizados para geração de resultados dos seus trabalhos, mas na outra ponta, de apoios a quem gera as ferramentas, ainda não são suficientes.

Por outro lado, alguns exemplos louváveis, como o GATK do Broad Institute, ou o clássico Pymol, iniciativas bem apoiadas em institutos de pesquisa, vem demonstrando como a qualidade dessas ferramentas patrocina ciência e tecnologia de boa qualidade.

Nesse sentido, tanto utilizar boas ferramentas quanto investir em boas práticas de código são fundamentos do que se pode chamar de Bioinformática.

3 - Humanos são essenciais⁵

Por fim, ferramentas computacionais são parte da biologia de hoje, mas elas não são um fim em si mesmo.

Há uma certa aura de “deus ex-machina”, onde os softwares/hardwares são a peça chave para a geração de resultados, mas quem opera essas ferramentas sente na pele o quanto dados bem colhidos e formatados antes do processamento, parametrização correta e coerente e, principalmente, interpretação pós processo fazem diferença entre conhecimento com significado e lixo gerado por algoritmos.

Habilidades e Conhecimentos USUÁRIO CIENTISTA BIOINFORMATA ENGENHEIRO BIOINFORMATA
Habilidade de aplicar conhecimentos de computação, biologia, estatística e matemática adequados à disciplina
Habilidade de analisar um problema e definir os requisitos computacionais adequados para sua resolução
Habilidade de desenhar, implementar e avaliar um sistema computacional, processo, componente ou programa que atenda às necessidades em ambientes científicos.
Habilidade de utilizar técnicas e ferramentas atuais e necessárias para a prática da biologia computacional.
Habilidade de aplicar conceitos matemáticos fundamentais, principios algoritmicos e teorias da ciência da computação na modelagem e design de sistemas computacionais de maneira a demonstrar compreensão das trocas envolvidas nas escolhas de design.
Habilidade de aplicar o design e principios de desenvolvimento na construção de sistemas do software de diferentes complexidades.
Habilidade de atuar efetivamente em grupos de trabalho para atingir objetivos em comum.
Compreensão das questões profissionais, éticas, legais, de segurança e sociais e suas responsabilidades.
Habilidade de comunicação efetiva com diferentes tipos de audiência.
Habilidade de analisar o impacto local e global da bioinformática e genômica nos indivíduos, organizações e sociedade.
Reconhecimento da necessidade e possuir habilidade de um contínuo desenvolvimento profissional.
Compreensão detalhada do processo de descobrimento científico e do papel da bioinformática em si.
Habilidade de aplicar métodos de pesquisa estatísticos em contextos de biologia molecular, genômica, medicina e genética de populações.
Conhecimento de biologia em geral, profundo conhecimento de ao menos uma área da biologia e compreensão das tecnologias de geração de dados biológicos.

Adaptada de https://journals.plos.org/ploscompbiol/article?id=10.1371/journal.pcbi.1003496 .

A famosa frase “garbage in, garbage out” se aplica de maneira visceral em bioinformática pois o dado final da sua pesquisa precisa passar por um filtro imediato: ser coerente com sistemas biológicos.

O fato do computador sempre te dar uma resposta tende a fazer com que profissionais menos experientes se sintam confiantes em excesso na tecnologia, mas o crivo humano se faz muito necessário, ainda mais quando estamos falando da fronteira ciência/tecnologia em saúde e diagnósticos.

É necessário portanto que o profissional tenha uma base sólida teórica nos sistemas biológicos nos quais está trabalhando.

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Por fim, espero que delimitar esses 3 aspectos fundamentais da bioinfomática enquanto atividade profissional possam ajudar a guiar melhor profissionais acerca do que esperar no dia a dia em termos pragmáticos.

E vocês? Concordam acerca da importância desses 3 tópicos? Comentem com a gente!

Saiba mais:

  1. Synthetic Biology: What’s in a Name?
  2. Podcast da RSG Brasil - Episódio 1 - Mercado de Trabalho e Bioinformática - Parte 1
  3. All biology is computational biology.
  4. Ten simple rules for developing usable software in computational biology.
  5. Bioinformatics curriculum guidelines: toward a definition of core competencies.